CIEN-Brasil Informa

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CIEN Brasil
 Neste boletim informativo do CIEN-Brasil trazemos sob a rúbrica Em breve... os eventos de outubro e novembro que terão lugar nos diferentes lugares onde o CIEN está presente. Conversações entre o CIEN e o Núcleo de Psicanálise e Direito em MG, Conversações em torno do livro Crianças falam! E têm o que dizer em SC. E a 4a Tarde de trabalhos do CIEN- Brasil que terá como convidado a Miquel Bassols, em BH.
 
Na rúbrica Ressonâncias contamos excelentes colaborações.  Do CINE CIEN temos dois textos. O primeiro é de MG, uma resenha do debate sobre o filme “Bling Ring: a gangue de Hollywood” com pontuações muito bem-vindas sobre o conceito de trauma. O segundo, de BA, em colaboração com PE, uma ótima reflexão em torno do filme "Monsieur Lazhar". Também incluimos um pequeno texto sobre momentos marcantes das conversações do laboratório de PR.
 
Lembramos que a 4a Tarde de trabalhos do CIEN se apróxima, aproveite para fazer sua inscrição!
 
 
 
Em breve...
 
Atividades CIEN
 
Em MG
Conversação CIEN e Núcleo de Psicanálise e Direito
 
Em SC
Quinta-feira, 23 de outubro
 
 
No dia 23/10 teremos um encontro na EBP com participantes dos dois laboratórios já estabelecidos para conversarmos a partir do texto "Psicanálise e Educação: Rumo a um saber novo ", de Virgínia Carvalho. Optamos por iniciar esse espaço por um texto do Livro "Crianças falam! E tem o que dizer..." para compartilhar e dar visibilidade em Florianópolis ao trabalho que já vem sendo realizado pelo Cien. O segundo encontro na sede da EBP será no dia 13/12. Esses encontros serão abertos para todos os interessados no trabalho.
 
Em BH
Domingo, 23 de novembro
 
IV TARDE DE TRABALHOS DO CIEN BRASIL
Local: Centro de Convenções Dayrell Hotel  Belo Horizonte/MINAS
 
 
 As inscrições para participar da IV Tarde de Trabalho do CIEN Brasil podem ser feitas pelos e-mails: ipsmmg@institutopsicanalise-mg.com.br ou brasil.cien@gmail.com  Tel.(31) 3275-3873.
 
O valor da inscrição é R$40,00 – (Inscrição CIEN + NRCereda: R$85,00)
Depósito na conta do IPSM-MG e envie o comprovante pela internet com seus dados. 
Banco Itaú
ag.4540
c/c: 02333-2.
 
 Aguardamos você! As vagas são limitadas!
 
 
 
Ressonâncias...
 
Em BH
CINE CIEN
 
 
 Rumo   à  IV Tarde de trabalhos do CIEN Brasil
Qual trauma em Bling Ring?
 
Maria Rita Guimarães
 Na noite de 06/08/2014 o Cinecien -MG exibiu o filme Bling Ring .Da narrativa de Sofia Coppola (2013), retirada de fatos reais relatados pela jornalista Nancy Jo Sales que, anteriormente àescrita do livro, publicou uma  matéria sobre o tema na revista Vanity Fair ,em  2010, com o nome « Os suspeitos  usavam  Louboutin” - destacam-se  alguns aspectos que nos interessam  para o debate  na roda de Conversação:
O fascínio pela imagem, quando ela pode ser multiplicada, (quase) sem limite, pelas redes sociais.
O gozo, presente em cada ação do roubo, demanda mais um, na sucessão vazia dos atos transgressivos. Roubo "para nadajáque os desejados objetos de consumo, passado o efêmero momento de ver,momento do click da foto, já podem ser perdidos, consumidos, vendidos.
Paris Hilton éuma grife fascinante, um objeto? Parece pouco importar como pessoa, não parece ocorrer  uma identificação com ela: o que importa para os jovens éo que ela porta, seus objetos.
A lista seria longa. Coloquemos, no entanto, duas questões como convite ao pensar:
São os objetos o sintoma dos adolescentes, no filme? São os objetos que gozam deles?
      Em que momento-depois da prisão éidentificável? - encontraríamos marcas da experiência - experiência traumática - vividas pelos adolescentes que Sofia Coppola nos apresentou? 
O fato apresenta-nos quatro jovens e um rapaz que se lançam,aparentemente para romperem o tédio de suas existências, a roubar os objetos de grifes reconhecidas em casas de pessoas chamadas "celebridades de Hollywood. Porém, háalgo mais que o tédio : o sonho de glória, de ter a própria marca, a aspiração futura" de fama  que não vai além da imagem clicada ,fulgurante instante de ver e postar no Facebook, existe. Constatamos essa existência no final do filme, através da rapidez com que se apropriaram do "acontecimento prisão- porque chegaram atélá!- para se mostraremàmídia. Tal qual camaleões, defenderam-se metamorfoseados no discurso da curiosa e bizarra filosofia filantrópica  cultivada pela mãe de uma delas.Assim, Emma Watson pode discursar para os jornalistas:
Eu acredito no karma e acredito que esta situação aconteceu na minha vida para me dar uma grande lição, para eu crescer e amadurecer como ser humano espiritual. Eu quero gerenciar uma grande organização beneficente . Eu quero liderar o país um dia.
O significante marca"foi discutido pelos presentes na Conversação.Os Louboutins são os nomes dos adolescents, são suas representações sociais, porém  voláteis como a droga consumida.Daía pouco a identidade de cada um poderáser aspirada" pelos calçados de Paris Hilton e  de outrooutro nome consagrado como marca. Parece ser menos o objeto em sua materialidade - ou mesmo a materialidade dos dólares roubados - que lhes importa , jáque rápido o jogo entre consumidor/consumido rebaixa o objeto a nada.  
Encontraríamos marcas nos corpos? Mesmo após o sério acidente de carro os corpos das jovens seguem delgados, angélicos, assexuados, quase! Curiosamente, mesmo se mencionada uma ou duas  vezes,  a fala  depreciativa a respeito do parceiro, ocasional, anônimo, mostra a relação sexual como caricatural, coisificada. São corpos habitados pelos objetos de marcas e pela anfetamina (Aderal) administrada pela mãe, em  todas as manhãs. São corpos para o olhar e para a imagem- dois objetos onipresentes na narrativa fílmica. São objetos / vestimenta para o vazio de suas vidas.
E  a marca do trauma?
No debate, era a pergunta  que retornava e, em seus giros, possibilitava a muitos presentes na Conversação a contribuírem  com elementos de respostas porém, deixando-a aberta.As intervenções destacavam que, ao menos  para Mark, o garoto, podia-se ler algo de uma subjetivação da experiência.Experiência dos roubos, da amizade rompida, de constatar que sua América ainda éfascinada por seus Bonny and Clyde.
Se falamos em subjetivação éporque estamos admitindo ao ser falante o  esforço para subjetivar o choque que lhe adveio do  encontro com a linguagem.Este traumatismo não pode ser tomado no 
sentido negativo : na verdade, ele empurra àentrada na humanização. Esta émais bela e mais forte  e não poderia ser reduzida a corpos coisificados, mesmo em sua estética angelical, a serviço do capitalismo.
Cien Digital 16 publicou o texto A bússola do sim e do não, de Philippe Lacadée, do qual extraio dois parágrafos que nos ajudam a pensar a questão do trauma em Bling Ring:
               A questão é saber como essa criança moderna que não se sustenta mais de seu desejo, mas da solitária relação ao objeto , toma conta do excesso de consumo que lhe barra o acesso ao saber e ao inconsciente. Os desejos tão solicitados são transformados em necessidades, em imperativos de gozo que respondem àgulodice de seu supereu sem que a criança saiba demandar ao Outro.Ela quer tudo e tudo já. Ela se encontra, então, vítima de um supereu feroz que a empurra para querer gozar de tudo e para o qual bem e mal se equivalem.
                Controle remoto na mão, a criança conecta diretamente seu corpo com o objeto gadget que jáera interrogado por Lacan em 1974: chegaremos a nos tornar animados verdadeiramente pelos gadgets?. Lacan não acreditava, mesmo afirmando, não obstante, que verdadeiramente não hánada a fazer quando o gadget não é  um sintoma. Lacan evidenciava deste modo, a solução do gadget como podendo ser para o sujeito um novo sintoma; parece abrir uma via mais digna para o objeto gadget. Não se trata de rejeitá-lo com a nostalgia dos   tempos antigos, mas compreender o uso que o sujeito faz disso. Se ele pode ter valor de sintoma, éporque o sujeito pode se servir dele como um ponto de apoio localizado, ou mesmo como suplência.
 Um a um, com sua palavra, na presenca de    um analista, saberíamos o valor dado ao objeto como um novo sintoma- ou não. Para a gangue do filme, deixemos sem resposta.
 
 
Em BA
 
CINE CIEN
 
[]
 
ECOS DE MAIS UM CINECIEN NA BAHIA.
Daniela Nunes Araujo
 
No último dia 25 de setembro, sediamos aqui em Salvador mais um CineCien, atividade promovida em parceria entre o Cien-Bahia e a Comissão de Biblioteca da EBP-BA. Primeiramente foi realizada a transmissão do filme ‘Monsieur Lazhar: o que traz boas novas’, seguido de debate animado por Mônica Hage (Psicanalista, Membro da EBP/AMP, Coord. Do Cien-BA) e que contou com a participação de Anamaria Vasconcelos (Psicanalista, Coord. Cien-Pernambuco) e Débora Calmon (Professora, Graduada em História pela UCSAL) como convidadas.
‘Monsieur Lazhar’, uma produção de 2011, originalmente canadense e vencedora de diversos prêmios cinematográficos internacionais, traz um enredo bastante interessante e que tem em seu fio condutor, as repercussões de um episódio de suicídio de uma professora em uma escola infantil do Canadá. A cena da professora morta, já enforcada, fora presenciada por Simon, um dos alunos da turma que compreende crianças entre os 10 e 11 anos de idade. Por ainda estarem no meio do ano letivo, um novo professor foi contratado. Bachir Lazhar, imigrante argelino, que corria o risco de ser deportado a qualquer momento, substituiu a professora de modo tão urgente, que nem sequer desconfiaram das questões pessoais que ele arduamente vinha enfrentando, tampouco interrogaram sua verdadeira formação.
Anamaria Vasconcelos nos contemplou com uma rica contribuição, direcionando-nos a pensar a respeito do trauma, assim como da função exercida pelo trabalho do Cien enquanto experiência da psicanálise na cidade. Como tomar o acontecimento do suicídio da professora? Até que ponto ele foi verdadeiramente traumático; e se foi: para quem? Se o Cien - no ambiente da escola retratada, se fizesse representar, muito provavelmente proporcionaria, por via da prática de conversações, fazer falar a desordem, dificuldades e urgências vividas por estas crianças e profissionais que com elas lidavam.
Anamaria destacou  como a rotina daquela escola fora interrompida pelo suicídio e o papel que a figura do Monsieur Lazhar se fez representar. É ele quem aponta  como este episódio modifica e repercute na escola. Para ela, aí se configura o olhar do cineasta, o que coincide com o cuidado que a psicanálise tem em encontrar o ponto de real que reitera, ressoa. Enquanto a lógica de uma escola conservadora tentava, de distintos modos, “apagar” aquele acontecimento, este novo professor, à sua maneira, fazia aparecer o impossível de calar o real.
Segundo ela, poderia ser que o senso comum relacionasse o ocorrido na escola a um trauma aparente. Porém, é na medida em que a película avança, que o diretor mostra que a situação toca, em verdade, de modo muito singular, em alguns personagens específicos. A exemplo de Simon, que ficou sem muitos recursos de defesa, enquanto o restante dos alunos puderam, de alguma maneira, ser “protegidos” do real da cena.
Em determinado momento da história, uma vez aberta a possibilidade (por parte do Professor Lazhar) de que aquelas crianças falassem abertamente sobre o acontecimento, uma aluna pede a vez e diz: “nós não estamos traumatizados, os adultos é que estão”. Isto imediatamente nos leva a pensar que o valor traumático não está no fato em si, mas no que toca em cada um, logo, diz respeito a um antes mesmo do acontecimento.
Na sequência, Débora Calmon nos proporcionou importante reflexão, partindo do questionamento de possíveis efeitos nas crianças em relação ao rendimento ensino-aprendizagem. Para ela, desde a perspectiva de um educador, cabe atentar a essas quebras de rotina e aos riscos aí implicados: quando, no caso do filme, perde-se uma professora, soma-se a isto que as crianças também teriam de fazer uma readaptação ao novo professor.
Débora mais uma vez evidencia o quanto a educação, por vezes, tenta tratar situações à base do silêncio, como bem retratado no filme, mas o quanto se faz importante que o professor também valorize a fala. Segundo ela, Monsieur Lazhar foi capaz de perceber a necessidade do falar em sala de aula, para além dos conteúdos programáticos.
Nos chama à atenção de que nós, espectadores, tal qual o professor substituto, ficamos de fora de momentos importantes vivenciados pelas crianças, seus alunos, a exemplo dos encontros grupais com a psicóloga contratada pela escola. E provoca o público, ao interrogar a tentativa de sigilo da direção.
Débora traça interessante percurso do Bachir Lazhar na história do filme, principalmente, ao levar em conta que ele se fez professor, já que essa não era sua formação. Apesar de não trazer em sua experiência a prática em sala de aula, ele se deixa aprender ser professor. Uma vez aberta discussão ao público, inclusive, foi destacado o valor da experiência de vida deste sujeito, quando também submetido a uma situação de risco, por estar ali no Canadá, até então de modo ilegal, o permitiu “escutar” aquelas crianças.
Retomo agora a um dos aportes trazidos por Anamaria Vasconcelos, quando lançou o que de vida aparece neste recorte histórico do filme, marcado pela morte. Segundo ela, Monsieur Lazhar manteve a capacidade de sustentar uma posição significativa e desejante em direção à vida. Em nenhum momento ele buscou tamponar a falta, mas sim causar abertura. Foi diante desta posição de um Outro simbólico, que ele facilitou o acolhimento dos ditos de cada um ali.
Podemos concluir então que, mesmo diante dos impossíveis da tarefa de educar, este professor foi capaz de remar contra a lógica educacional, subvertendo o imperativo de fazer calar a morte. Quebrar os protocolos institucionais, neste caso, veio sim a contribuir, quando principalmente fez uso de ferramenta das mais caras à psicanálise: a fala. O dar a voz, seja na experiência clínica, seja na prática interdisciplinar, aparece como manejo essencial.
 
Em PR
Conversações dos laboratórios
 
CIRANDA   DE  CONVERSA
 Valéria Beatriz Araújo e Tânia Verona1
 
O Laboratório em Formação CIRANDA  DE CONVERSA, teve início em março de 2014, objetiva trabalhar com o dispositivo das Conversações nas Escolas Públicas e Particulares da cidade de Curitiba. Dentro das atividades do CIEN na Delegação Paraná, trazemos uma experiência onde o Laboratório em FormaçãoCiranda de Conversa foi solicitado a realizar o trabalho de Conversação em uma Escola Particular do Ensino Fundamental, mais precisamente numa turma do 2° ano. Nesse sentido, lá fomos nós, escutar esses sujeitos e propor um espaço para a circulação da palavra e a emergência de novas possibilidades e invenções.
Ao primeiro contato com a instituição, a direção da escola verbalizou sobre a necessidade/importância de intervenção com as crianças desta referida turma. Sobre este pedido de conversa, pode-se, a posteriori, perceber que aquele discurso apontava um embaraço sobre o que acontecia, afinal, com a turma. A direção trazia a queixa de que eram agitados, e havia dois alunos que os professores “não davam conta” e que agitavam toda a turma. A turma dava trabalho. O Laboratório escutou a queixa e acolheu a demanda e, após duas Conversações realizadas com os alunos, percebeu-se que, eram simplesmente crianças, que se agitavam, que interagiam entre elas e que realizavam atividades, cada uma a seu modo.  O Laboratório se questionou, então, o que estava ocorrendo com esta turma, já que havia uma agitação dos corpos, mas o impasse não estava situado do lado dos alunos. 
O Laboratório percebeu a importância de realizar algumas Conversações com as professoras da referida turma, as quais passaram a experenciar a palavra, agora não mais taxativa, mas circulada. Passaram a verbalizar sobre a angústia em relação à turma, sobre o comportamento e modos de aprendizagem. No decorrer das Conversações, as professoras foram alternando suas participações, ao contrário da professora regente, a qual esteve presente em todas as Conversações, protagonizando esse mal-estar que pairava entre as docentes.
Assim sendo, esta professora vai aprofundando suas colocações, realizando um percurso que vai deslocando o foco inicial nos alunos para redirecionar o foco em si mesma, no sentido de passar a se implicar nesse contexto e questionar sua posição subjetiva frente às crianças. Tal percurso vai revelando que, diante do “imenso amor e carinho”, havia uma postura de maternagem frente à demanda das crianças, às quais careciam de um vetor que fosse orientador da lei.
Nesse percurso, a equipe e, particularmente, sua protagonista (encarnada na figura da professora regente), foi analisando seus posicionamentos e realizando novos arranjos, o que incluiu mudança no tom de voz (não mais tão infantilizado), bem como no fato de se autorizar a encarnar a lei quando necessário. Isso nos faz pensar no bom uso do semblante, o que propiciou uma diferenciação nessa parceria professor - aluno. Pensamos que tal mudança subjetiva pôde promover um furo na posição idealizada da “professora perfeita”. Tal mudança teve, como efeito, um certo apaziguamento na agitação dos corpos daquelas crianças.
Tal experiência vem corroborar, então, com o que aponta a psicanálise quando aposta no saber fazer com os semblantes, o que faz a diferença nos laços sociais.
1-Participantes do Laboratório em Formação Ciranda de Conversa (Delegação Paraná), Renata Silva de Paula Soares é responsável pelo laboratório, de que também participam: Eugênia C. Souza, Fidelis L. Grando Filho, Juliane Kravetz, Maria Argentina Dórrio, Suely Poitevin. 
 
Informações

BIBLIÔ ENTREVISTA - Nohemí Brown e Lucíola Macedo

O Bibliô entrevista a equipe responsável pelo CIEN no Brasil, focando  no evento que acontecerá em novembro no seio das atividade do XX Encontro Brasileiro do  Campo Freudiano em Belo Horizonte.


Por Mônica Hage – Coordenadora do Cien Bahia


1. Nohemí Brown, Como coordenadora Geral da atual equipe de coordenação nacional do CIEN/Brasil, o que você poderia nos dizer sobre a formação do analista e o trabalho dos laboratórios do CIEN?


Considero que esta é uma questão que, como analistas e participantes de uma prática inter-disciplinar como a do CIEN, precisamos formular e reformular em determinados momentos. Como sabemos, a formação do analista, para além de sua análise pessoal, não é simplesmente uma aquisição ou transmissão de saberes, é mais bem uma formação muito sutil que implica, como diz Miller, a aparição de certas condições subjetivas1.
Portanto, podemos pensar duas dimensões da formação do analista no trabalho dos laboratórios: 1) por um lado, produzindo um efeito de formação como analista; e, 2) por outro, a formação do analista como uma condição para fazer funcionar a Conversação em uma prática inter-disciplinar.


Se pensarmos em termos de "efeitos de formação", podemos considerar que entre a causa e o efeito, na formação do analista, há uma brecha, uma hiância. Miller indica que justamente nesta brecha, a contingência joga um papel fundamental: "Destacar o efeito-de-formação é admitir implicitamente que não há automatismo na formação analítica, não encontraremos um mecanismo; não o procuramos, damos lugar à contingência"2. Neste sentido, não se trata de dar lugar só às "causas", senão também aos "lugares". A contingência implica a multiplicidade de causas e lugares de formação. Desde esta perspectiva, o trabalho nos laboratórios pode produzir efeitos de formação, já que esse enfrentamento do real produz efeitos de sujeito. Inclusive a presença e depoimentos de AEs em exercício, nos eventos do CIEN, tem sido muito esclarecedora a esse respeito.


Porém, também temos a segunda dimensão. Podemos pensar a formação do analista como fundamental para que a Conversação dos laboratórios funcione de forma viva, como um espaço de leitura e de abertura para novas posições para as equipes. Tomemos o termo Real, que é parte do tema da 4ª tarde de trabalhos do CIEN deste ano: Trauma e Real: o que as crianças inventam? Justamente o que pode promover uma Conversação nos moldes do CIEN, é considerar o real em jogo. Podemos dizer que o real, nas instituições ou para as equipes, se apresenta sob a forma de um Mal-estar ou um impasse. Frente ao real em jogo no mal-estar pode-se preferir dormir, não saber dele, ou colocá-lo de fora, como se verifica muitas vezes na palavra dos profissionais, esperando que a criança ou adolescente mude de turma, saia da escola, seja medicado ou classificado em alguma das etiquetas do DSM. Isto é, a tendência nos discursos vigentes para tratar o real, é a segregação. O desafio ao propor uma prática CIEN, é colocar esse mal-estar no centro da Conversação, dando a palavra aos profissionais e às próprias crianças e adolescentes. Não é fácil partir do ponto de angústia que incomoda às equipes. Mas, como as crianças e adolescentes ou as equipes vão inventar, se não colocam a trabalho esse mal-estar? De alguma maneira, a própria experiência de análise, como parte integrante da formação do analista, abre a possibilidade deste esforço. Ana Lydia Santiago o diz de uma maneira muito clara: "Trabalhar em função desse ponto angustiante que se reproduz é um desafio, comparável ao do analisante no trabalho da análise pessoal"3. Se considerarmos isto, a formação do analista no trabalho dos laboratórios, nas conversações, é o que permitirá considerar o real em jogo apesar da tendência de não querer saber dele. O analista nas equipes inter-disciplinares, sua palavra e posição, mais do que um doutrinamento da psicanálise, visa operar a partir de sua formação e orientado pelo real. Cabe dizer que muitas vezes há pessoas que decidem fazer uma análise a partir desse trabalho nos laboratórios.

Portanto, esses dois pontos da formação do analista implicam um estreito e complicado laço entre a psicanálise em intenção (análise pessoal) e a psicanálise em extensão (como é o trabalho do CIEN). Lacan, no texto Proposição.... coloca que: "...é no próprio horizonte da psicanálise em extensão que se ata o círculo interior que traçamos como hiância da psicanálise em intenção."4


Para fazer um laço, são necessárias essas duas dimensões. Sem a psicanálise em intenção não há possibilidade de um laço com a psicanálise em extensão.


2. Nohemí, este ano o CIEN trabalhou nos seus laboratórios o mesmo tema da NRCereda, "Trauma e real: o que as crianças inventam?" Quais os efeitos dessa articulação?

Poderia dizer que um dos efeitos mais importantes foi assumir o desafio e, ao mesmo tempo, a oportunidade de esclarecer a lógica que rege o CIEN e a NR-Cereda. Poder abordar uma mesma temática a partir de duas práticas diferentes: uma inter-disciplinar e outra clínica. Há uma pequena sutileza no título da NR-Cereda que aponta a essa diferença fundamental com o CIEN. Diferença que não é excludente, ao contrário, que mostra a riqueza de cada proposta e a possibilidade de um trabalho articulado com crianças e adolescentes e com as equipes, nas instituições. Para a NR-Cereda o tema é "Trauma e Real na clínica, o que as crianças inventam?" Essa dimensão clínica não está presente no CIEN, pelo menos não da mesma maneira, nas conversações das equipes inter-disciplinares.

Poderia dizer que, especialmente para o CIEN, um dos efeitos mais palpáveis foi colocar a trabalho as pessoas vinculadas à psicanálise para traduzir e transmitir de forma clara e rigorosa os termos Real eTrauma. Tão importantes para a psicanálise, mas que para pessoas de outras disciplinas podem resultar obscuros e complicados. Desta maneira, em alguns laboratórios, a ênfase foi partir da segunda parte do título, "o que as crianças inventam?" Introduziram assim a dimensão subjetiva e singular das crianças e adolescentes para reconhecer que as invenções são respostas a algo. Inventa-se em função de algo, de uma situação onde não se encontra saída, de um impasse. Qual é a importância da invenção para as crianças? Como ela permite, no caso a caso, às crianças e adolescentes se introduzir no laço social? Qual é a participação das equipes nestas invenções? Ali onde havia repetição, de que ordem é a invenção que permite que algo se escreva? Perguntas que orientam o trabalho do CIEN, e de alguma maneira a NR-Cereda, mas que propõem respostas desde lógicas diferentes; uma articulada às Conversações (das equipes interdisciplinares ou com as crianças e adolescentes) e, outra na clínica.


Cabe dizer que com a proposta de um mesmo tema, surgiu inicialmente o desejo de realizar um evento conjunto que permitisse extrair e acompanhar nas mesas, as propostas do trabalho do CIEN e da NR-Cereda. O evento em novembro não será conjunto, mas de alguma maneira estará articulado, pois muitas das pessoas que participam de um estão presentes no outro. Essa circulação entre os participantes possibilitou em SP e BH que se realizassem Conversações entre o CIEN e NR-Cereda tomando como base casos de laboratórios. Experiências muito ricas!


O evento CIEN com a presença de Miquel Bassols e o da NR-Cereda com a de Maurício Tarrab nos aguardam para trabalharmos e recolhermos os efeitos desta temática e deste desafio.


3. Lucíola Macedo, enquanto membro da atual equipe de coordenação nacional do CIEN/Brasil, como você pensa que os laboratórios do CIEN podem contribuir para a ação lacaniana nas cidades?

Acredito que esta instigante questão toque num tema crucial para o CIEN, que é o da interdisciplinaridade. A aposta do CIEN na interdisciplinaridade vai mais além de um simples intercâmbio entre diferentes disciplinas, áreas de atuação e/ou discursos. Ela tem uma função tão fundamental quanto suplementar, que é aquela de descompletar o saber do analista,  como também sua ação, a ação lacaniana nas cidades, aquela que se pratica do lado de fora âmbito estritamente clínico, tanto aquele do consultório privado, quanto no âmbito das práticas da psicanálise em instituições. 
Em 195615, Lacan afirmara que o psicanalista precisa trabalhar contra seus próprios "hábitos mentais" e contra a crença quase religiosa de que nenhum acontecimento de saber seria capaz de abalar seus fundamentos. Sua acomodação ao saber estabelecido, mesmo aquele que se constitui no âmbito da própria doutrina analítica, poderá resultar em nada menos que na neutralização da própria psicanálise. Poderá se apresentar, tal como já advertira Jacques-Alain Miller, como um obstáculo à regeneração periódica da própria psicanálise6.


O saber extraído e constituído no âmbito dos Laboratórios do CIEN, por sua vez, nos leva a renovar a aposta de que os outros discursos também subvertem a psicanálise! Exigem que ela se reinvente; que não se trivialize ou se automatize; e que o legado de Lacan siga mantendo aberta a brecha no saber, que por seu próprio movimento e estrutura tende a se totalizar, a se nivelar, a tornar-se irrelevante quando subsumido a qualquer discurso que se queira totalizador. Essa subversão, ao invés de anunciar o fim da psicanálise, de sua eficácia ou de sua relevância, poderá nos desafiar a não adormecermos em nossos "hábitos mentais", a não nos acomodarmos no já instituído.

Nesse contexto, mais que comparecer como intérprete ou em posição de mestria, caberá ao praticante da psicanálise, apresentar-se com seu não-saber, como um agente daquilo que destotaliza os saberes, apontando sua inconsistência. Ao não nos apoiarmos no discurso da eficácia e da maestria, somos convocados a nos havermos com aquilo que fracassa, se repete, se rebela, e que insiste, furando os protocolos, objetando o bom senso, excedendo às prescrições. É a partir da incompletude, e não da conciliação ou da regulação, e menos ainda da mestria, que o praticante da psicanálise poderá sustentar a ação lacaniana no âmbito das mais variadas formas através das  quais a conversação e a prática interdisciplinar do CIEN poderão se dar.

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1. Miller, J.-A. "Para introducir el efecto de formación". In: Almanza, M.; Esqué, X.; Miller, J.-A. Cómo se formam los analistas? Buenos Aires: Grama Ed., 2012. P. 15
2. Miller, J.-A. "Para introducir el efecto de formación", op.cit. p. 13
3. Santiago, A. L. "O CIEN na minha formação analítica". In: Otoni Briset, F.; Santiago, A.L.; Miller, J. (orgs.) Crianças falam! E tem o que dizer. Experiências do CIEN no Brasil. Belo Horizonte: Scriptum,  2013, p. 35.
4. Lacan, J. "Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola". In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 261.

5. LACAN. Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956, p.461-495.
6. MILLER. La vie de Lacan – Cours n.10, 12/05/2010, (inédito).


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